terça-feira, 27 de abril de 2010
Conto verídico de Natal fora de época
foto: Ricosurf.globo.com
Final de ano, após vários dias sem ondas, como de costume aqui no Rio, o mar resolve dar uma reagida justo dia 24 de dezembro, véspera de Natal.
Lá fomos eu, meu primo e mais um camarada procurar uma vala na Barra da Tijuca, que pra mim é um dos melhores picos do Rio quando as condições acertam, pra fazer um final de tarde. Maluco, chegamos entre o posto 6 e 7 e a visão não poderia ser melhor: uma valinha de direita, com 1 metro, com bastante ondas entrando, correnteza contra, sem vento e o melhor: sem ninguém na água. Todo mundo que surfa sabe como é a sensação. Você sai correndo, esquece de trancar o carro, de entocar as mochilas na mala e de passar protetor solar. Se vc já não estiver de bermuda e pronto pra cair, até a carteira vai pra água!
Caímos e era tudo só alegria... Aí, entra em cena a famosa situação de síndrome do bolinho... Vagabundo não pode ver a felicidade alheia e quer logo estragar... Haviam outras boas valas perto dessa que escolhemos, mas um trio resolveu inflar o pico. Os caras foram entrando e a gente continuou surfando... Nós, que já estavamos no pico nos olhamos com aquela cara de "que merda! Agora vai virar guerra". Dos 3 que entraram os 3 surfavam bem e a tensão ficou alta. Desses 3, 2 resolveram respeitar a prioridade de quem tava no pico mais cedo e uma fila foi sendo organizada, com exceção de um malandro, que fez a bóia e pegou logo uma onda das que vieram na série. Porra, a gente chega no pico antes, descobre a vala e vem um bunda mal educado atrapalhar o que até então era um dia perfeito de marolas... Não satisfeito com isso, o cara voltou, fez a bóia de novo e quando viu outra série encaixando remou pra ela. Eu que tava de fish me adiantei, remei que nem um maluco e falei pra mim mesmo "vou entra na onda pra me impor, senão acabou o surf pra gente". Entrei na onda... E o mal educado entrou um pouco depois... Gritei, o cara ignorou. Aí, como eu já tava "up and riding" lancei a primeira manobra em cima dele e batemos prancha com prancha de leve. Ele caiu ao mesmo tempo em que me mandava tomar no cu e eu segui fazendo a onda até o final. Aí começou a merda. Nem preciso dizer que pro cara ser marrento desse jeito ele tem que se garantir na porrada. O amigo era grande e já veio remando na minha direção, me xingando, me mandando sair da água, perguntando de onde eu era. Típico argumento de playboy, filho de papai, que mora em frente ao pico porque papai pode e papai paga.
Fiquei bolado, mas mantive a calma e falei: "irmão, na moral, é Natal, a gente tava no pico bem antes de você chegar. Você chegou fazendo a bóia na massa, me xingou, tá me ofendendo, apesar de estar errado... Camarada, eu só quero surfar, parece que você veio pra praticar vale tudo. Só que eu sou da paz. Vou continuar surfando aqui e você procura outro pra brigar, tranquilo?"
O cara ficou sem reação... Saiu de perto puto. Até os amigos dele ficaram meio incomodados com a atitude dele. Sabe o que aconteceu? Ele não pegou mais naaaaaaaaaada!!!! Os outros 5 no pico, que tavam agindo dentro da civilidade, fazendo a mala e o marrentão sozinho, arrastado pela correnteza da vala, que quem surfa na Barra sabe que não é brincadeira.
Depois de quase uma hora de surf, saímos da água pra beber uma água e decidir se iríamos sair fora ou continuar a queda. De repente, o brigão vem saindo da água também e caminha na nossa direção. Eu já pensando "fudeu! Vou tomar porrada". Pra minha surpresa e pra dos meus camaradas, ele chegou na humildade, pediu desculpas e falou que a atitude dele foi errada e que tinha onda pra geral. Convidou a gente pra cair de novo e dividir a vala.
Depois disso, o pico entrou em sintonia. Todo mundo passou a surfar e se divertir, trocando idéia sobre a ultima onda surfada, sobre shapes de pranchas, viagens de surf... Na boa, nem sou muito de religião, mas a atitude do cara me mostrou que com calma e humildade tudo se resolve sem estresse. E serviu pra mostrar que pra surfar, não basta haver onda, nem estar com equipamento certo. Tem que ter a famosa "positive vibe"! Parece que o mar percebe nossa sintonia e no fundo, acho que quem escolhe quem surfa que onda é o oceano.
Nesses picos cada dia mais crowd de hoje, nada como boa educação pra garantir boas ondas e os dentes no lugar.
Tiago Castro
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Um comentário:
Incrivel Tiago! Você conseguiu contornar o problema de uma maneira simples, porém, de muita atitude. Normalmente você já pensa em uma reação mais calorsa de um babaca desses, que acha que está sempre com a razão, mesmo sem estar. Se todos agissem civilizadamente, muitos brigas e discuções seriam evitadas. parabéns pela positividade! Crowd é uma questão chata e difícil de encarar, mas as pessoas tem de ter respeito com as outras. Abraço e bom surf!
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